Notícias

Publicado: 12/07/2016

Confiança de quem?

Há uma prática que, usada excessivamente no Brasil, torna a administração ineficiente e abre chances para irregularidades: os cargos de confiança. Criados em 1960 para flexibilizar o regime de contratações na iniciativa pública, o número de cargos comissionados, como também são chamados passou do limite no Brasil. E, como a diferença entre o veneno e o remédio, o mal está na dose. Na esfera federal, o Brasil tem19,5 mil?—?eram 22.700, antes do corte recente. Os Estados Unidos, com estrutura de governo bem maior que a brasileira, têm 8 mil funcionários de confiança.

Mas não é só na esfera federal que a dose passou do limite. Nos governos estaduais, são 115 mil indicados pelos governadores e aliados. E o problema é ainda maior nos municípios, que sustentam meio milhão de indicados. Isso gera um venenoso mercado de vagas em leilão permanente, em que cargos são usados como moeda política. E como as indicações estão sujeitas a alianças partidárias (re)negociadas a cada eleição, a altíssima rotatividade prejudica a eficiência da gestão e os projetos de longo prazo.

Assim como alguns cientistas, políticos e especialistas, também sou favorável à limitação do número de cargos comissionados. Mas isso exige mudanças na legislação, como parte das urgentes reformas política e administrativa. Há, pelo menos, quatro propostas na Câmara dos Deputados para limitar o número de funcionários de confiança. Sem dúvida, a medida é benéfica para todos. Se não existissem tantos cargos para distribuir depois das eleições, a barganha e o apetite dos partidos também diminuiria.

Dos cargos comissionados, os de médio a alto escalão e despertam mais interesse político. Já os menores são usados para agradecer eleitores ou como atalho legal para gratificar funcionários. A questão, entretanto, não é tanto simples quanto pode parecer porque de 70% das vagas de confiança são preenchidas por concursados. E mesmo o servidor que entrou por concurso sabe que, se não se acertar com o partido, alguém ligado à legenda vai chefiá-lo. Segundo uma pesquisa da PUC-Rio de 2011, um quarto dos funcionários nos cargos comissionados federais de alto escalão são filiados a algum partido?—?dos quais 80% eram petistas.

As distorções também são causadas por certo engessamento do sistema. A Constituição de 1988 estabelece regime jurídico único para todos os servidores públicos. Em países como Austrália ou Alemanha, cada carreira tem um tipo de contrato e regime de trabalho específico. No Brasil, falta flexibilidade legal para adequar cada caso. Resultado: discrepâncias que atrapalham os processos e a eficiência da gestão e, portanto, comprometem a qualidade dos serviços. Enquanto faltam funcionários bem remunerados em algumas áreas essenciais, como Educação e Saúde, os assessores de confiança abundam nos gabinetes de prédios públicos. No Brasil, deputados federais podem contratar até 25 assessores. No Chile, esses cargos são limitados a 12 por parlamentar. Na França, 8, e nos EUA, 18.

É notável, entretanto, que os governos têm dificuldade para contratar e promover a carreira de alguns especialistas, sobretudo para lidar com demandas específicas ou temporárias. Por isso, recorrem a subterfúgios, como contratar por meio de organizações sociais ou abrir estatais para empregar novos funcionários. Alguns estudiosos defendem a criação de mais escolas de excelência para formar bons gestores públicos que, ao ocupar cargos-chave, elevariam a qualidade dos serviços e adotariam medidas anti-corrupção. É urgente a necessidade de profissionalização do serviço público, o que poderá permitir melhorias na gestão pública brasileira. E essa é umas das nossas principais necessidades neste momento.
 
Mais do que fôlego para investir, é preciso vontade política e disposição para fazer as reformas tão necessárias ao Brasil. Iniciativas que, certamente, necessitam de apoio coletivo e suprapartidário, de todos os setores da sociedade, além de conscientização popular e compromisso dos agentes públicos. Algo que, aparentemente, não se resolve com um só partido, em apenas um ou dois mandatos.

Daniel Annenberg, gestor público e sociólogo, trabalha na área pública há 25 anos; foi superintendente do Poupatempo e é o atual diretor do Detran-SP


Fonte: 

 

O SINCOTRASP e os cookies: nós usamos os cookies para guardar estatísticas de visitas, melhorando sua experiência de navegação.
Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.